Opinião: O Evangelho segundo Jesus Cristo | José Saramago

Autor: José Saramago
Ano de Publicação Original:
1991
Editora: Porto Editora
Páginas: 448
ISBN: 9789720046826
Formato: E-book
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Sinopse: «O Evangelho segundo Jesus Cristo, dizia, é o romance que gerou mais polémica e é a causa de ter mudado a minha residência de Lisboa para Lanzarote, em Espanha. É um livro que não projetei, porque jamais me havia passado pela cabeça escrever uma vida de Jesus, havendo tantas e sendo tão diferentes as interpretações que dessa vida se fizeram, destrutivas por vezes, ou, pelo contrário, obedecendo às imposições restritivas do dogma e da tradição. Enfim, sobre o filho de José e Maria disse-se de tudo, logo não seria necessário um livro mais, e ainda menos o que viria a escrever um ateu como eu. Simplesmente, o homem põe e a circunstância dispõe e aqui está o que me impeliu a uma tarefa cuja complexidade ainda hoje me assusta.» José Saramago, in A Estátua e a Pedra

Opinião: O Evangelho Segundo Jesus Cristo não será o livro mais aclamado do Nobel Português, mas é, certamente, o mais polémico que escreveu, não só pelo questionamento da história bíblica de Jesus Cristo, mas também pelas consequências que teve na vida do escritor e da sua relação com o país que o viu nascer.

Saramago propõe-se aqui a reinterpretar a vida da figura central da religião mais importante da História da Humanidade. Ateu assumido, o autor foi acusado por representantes da Igreja e de outros católicos de desvirtuar os textos sagrados de forma abusiva e ofensiva, o que seria agravado pela sua condição de não crente. Eu diria que, para escrever este livro, terá sido necessário a Saramago não só um vasto conhecimento da Bíblia, como também reflexões profundas sobre a génese do texto e tudo aquilo que os seus ensinamentos implicam.

O livro tem início no momento da conceção de Jesus e termina com a sua crucificação. A voz narrativa é atual e, por várias vezes, analisa o que está a contar à luz da modernidade; há até uma secção do livro em que fala da própria narração da história, num exercício interessantíssimo de meta-literatura. Os comentários irónicos e mordazes são mais que muitos, o que torna a leitura deliciosa, e tudo é conjugado num texto provocador e desafiante. A humanização da figura histórica de Jesus através, por exemplo, da sua relação com Maria Madalena e o constante questionar das intenções do suposto Deus são os pontos marcantes deste livro, que levam mesmo leitor mais incauto e desinteressado destas matérias a questionar-se, a querer saber mais, a olhar para a História do nosso mundo e para o impacto (muitas vezes negativo) que a religião teve em vários acontecimentos fundamentais da Humanidade.

A minha experiência com este livro foi muito positiva, ainda que a religião não seja propriamente o meu tema de eleição. A minha relação com a Igreja terminou no dia do meu batismo e tenho zero interesse pela vida religiosa, pelo que conheço apenas o básico da história bíblica. A sensação com que fiquei é que teria retirado mais sumo deste livro se conhecesse a história original em maior detalhe, pelo simples facto de que teria facilitado a identificação dos desvios que Saramago fez. Mas nada que tivesse tido um impacto negativo no quanto desfrutei do livro

O Evangelho segundo Jesus Cristo não é um livro que se leia de ânimo leve, para descontrair; é uma leitura desafiante, propícia à reflexão e que, muito provavelmente, trará novas perspetivas após uma releitura. Não foi um livro que tivesse tido impacto em mim ao nível de um Ensaio sobre a Cegueira, mas foi, ainda assim, um enorme prazer voltar a este escritor fantástico, ainda com tantas obras para eu descobrir.

[…] mas este homem, nu, cravado de pés e mãos numa cruz, filho de José e de Maria, Jesus de seu nome, é o único a quem o futuro concederá a honra da maiúscula inicial, os mais nunca passarão de crucificados menores. É ele, finalmente, este para quem apenas olham José de Arimateia e Maria Madalena, este que faz chorar o sol e a lua, este que ainda agora louvou o Bom Ladrão e desprezou o Mau, por não compreender que não há nenhuma diferença entre um e outro, ou, se diferença há, não é essa, pois o Bem e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro.

Classificação: 4/5 – Gostei Bastante

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Sobre Célia

Tenho 38 anos e adoro ler desde que me conheço. O blogue Estante de Livros foi criado em Julho de 2007, e nasceu da minha vontade de partilhar as opiniões sobre o que ia lendo. Gosto de ler muitos géneros diferentes. Alguns dos favoritos são fantasia, romances históricos, policiais/thrillers e não-ficção.