Autor: José Saramago
Ano de Publicação Original: 1997
Editora: Porto Editora
Páginas: 280
ISBN: 9789720047571
Origem: Comprado
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Opinião: Ler José Saramago é toda uma experiência. Depois de ter adorado Ensaio sobre a Cegueira e de ter ficado um pouco menos impressionada com As Intermitências da Morte, voltei finalmente ao único escritor português até à data que venceu o Prémio Nobel da Literatura, amado por uns e odiado por outros. E dito isto, um pequeno desabafo: pode não se gostar do estilo particular da sua escrita, mas daí a dizer-se, como li no outro dia, que Saramago não sabia usar vírgulas, vai todo um mundo de imbecilidade. Eu sou apreciadora confessa da escrita deste autor e entusiasma-me perceber o quanto da sua obra tenho ainda por descobrir.
Dizia, no início deste texto, que ler Saramago é toda uma experiência. A história e a forma como ela é a contada são duas faces da mesma moeda, uma impossível de existir sem a outra. Em Todos os Nomes, a contradição de existir apenas um nome referido ao longo de todo o livro é uma das coisas que salta logo à vista. O Sr. José, auxiliar de escrita da Conservatória do Registo Civil, é um homem de meia-idade que vive numa casa contígua ao edifício da Conservatória e que leva uma vida simples: o seu único passatempo é colecionar recortes de pessoas famosas, algo que faz no tempo que o trabalho lhe deixa. Durante a semana, obedece às rígidas regras do seu local de trabalho, onde a tradição burocrática dita a lei e a hierarquia geométrica faz valer a sua força. Quando o Sr. José se lembra de pesquisar os verbetes dos famosos que coleciona, retira sem querer da prateleira um verbete de uma mulher desconhecida, e este é o elemento que despoleta todo o resto da acção do livro.
Todos os Nomes é uma viagem pelos meandros do significado e do anonimato; é a exploração daquilo que está para além de um nome e do que nos torna no que somos e naquilo em que nos transformamos entre o dia em que nascemos e o dia em que morremos. Está também repleto de reflexões e pequenos apontamentos sobre aquilo que é a vida e a morte. A aventura em que o Sr. José embarca, que por vezes parece tocar apenas a ponta do icebergue, é um pouco como a do leitor: viajamos pelas palavras de Saramago, ávidos de conhecimento e de absorver tudo o que nos oferece, tendo contudo a noção que o icebergue que está por debaixo da água é profundo e, quiçá, inalcançável. Não é um livro que ofereça respostas no final, mas a viagem que nos proporciona é qualquer coisa de notável.
Não considero que Todos os Nomes alcance o brilhantismo de Ensaio Sobre a Cegueira, por exemplo, mas sem dúvida cimentou a minha admiração por José Saramago e deu-me a certeza que quero ler tudo o que publicou. Muito, muito bom.
…o que estás a ver de mim também é uma pele, aliás, a pele é tudo quanto queremos que os outros vejam de nós, por baixo dela nem nós próprios conseguimos saber quem somos.
Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é directo, literal, explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos, de direcções irradiantes que se vão dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se põe a projectar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações magnéticas, aflições.
Classificação: 4/5 – Gostei Bastante