O júri do prémio Leya, reunido ontem e hoje em Alfragide, deliberou por consenso distinguir a obra Os Loucos da Rua Mazur, de João Pinto Coelho.
Os Loucos da Rua Mazur é um romance bem estruturado, bem escrito, que capta a atenção do leitor, quer pelo tema quer pela construção em tempos paralelos, um no passado imediatamente anterior à 2.ª Guerra Mundial e no início desta, e o outro no mundo actual. Não cede ao facilitismo do romance histórico, embora a História seja parte da acção e nos apresente uma visão inédita da tragédia resultante das invasões russa e nazi da Polónia.
O júri apreciou particularmente, as qualidades de efabulação e verosimilhança em episódios de violência brutal com motivações ideológico-políticas e étnico-religiosas, emergindo do fundo de uma convivência comunitária multisecular.
De igual modo, o júri valorizou a criação de personagens com densa singularidade existencial (no triângulo perturbador de amizade e conflito amoroso dos protagonistas), tal como de figuras secundárias com valor simbólico.
De salientar a força humana de um protagonista, o velho livreiro cego, que irá ficar como figura inesquecível da nossa ficção mais recente.
O júri recomenda ainda a edição de O Testamento de José de Nazaré, de Ivan José de Azevedo Fontes. O livro traz à cena um personagem obscuro na tradição cristã, pela sua própria voz. Apresenta um José trabalhador, insubmisso e solidário, dividido entre o seu inconformismo e o seu amor por Maria e pela família, entre a paz e a revolta. A simplicidade de linguagem traduz uma refinada estratégia no processo de construção narrativa.
Sobre o autor
João Pinto Coelho nasceu em Londres em 1967. Licenciou-se em Arquitetura em 1992 e viveu a maior parte da sua vida em Lisboa. Passou diversas temporadas nos Estados Unidos, onde chegou a trabalhar num teatro profissional perto de Nova Iorque. Em 2009 e 2011 integrou duas ações do Conselho Europa que tiveram lugar em Auschwitz (Oswiécim), na Polónia, trabalhando de perto com diversos investigadores sobre o Holocausto. No mesmo período, concebeu e implementou o projeto Auschwitz in 1st Per-son/A Letter to Meir Berkovich, que juntou jovens portugueses e polacos e que o levou uma vez mais à Polónia, às ruas de Oswiécim e aos campos de concentração e extermínio. A esse propósito tem realizado diversas intervenções públicas, uma das quais, como orador, na conferência internacional Portugal e o Holocausto, que teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, em 2012. Foi finalista do Prémio LeYa em 2014 com o romance Perguntem a Sarah Gross, que veio a ser publicado pela Dom Quixote no ano seguinte.
Sobre o júri
O júri do Prémio LeYa 2017 foi constituído por Manuel Alegre (presidente), Nuno Júdice, Pepetela e José Castello, escritores, e ainda José Carlos Seabra Pereira, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Lourenço do Rosário, Reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário de Maputo, e Rita Chaves, Professora da Universidade de São Paulo.
Sobre o Prémio LeYa
Com características únicas pela sua especificidade e valor — 100 mil euros –, o Prémio LeYa foi criado em 2008 com o objectivo de distinguir um romance inédito escrito em português.
Foram já distinguidos os romances O Rasto do Jaguar, de Murilo Carvalho (2008), O Olho de Hertzog, de João Paulo Borges Coelho (2009), O Teu Rosto Será o Ultimo, de João Ricardo Pedro (2011), Debaixo de Algum Céu, de Nuno Camarneiro (2012), Uma Outra Voz, de Gabriela Ruivo Trindade (2013), O Meu Irmão, de Afonso Reis Cabral (2014) O Coro dos Defuntos, de António Tavares (2015).
Nas edições de 2010 e 2016 o júri entendeu não atribuir o prémio.