Autor: Elena Ferrante
Título Original: L’amica geniale (2011)
Série: Crónicas Napolitanas #1
Editora: Relógio d’Água
Páginas: 264
ISBN: 9789896414795
Tradutor: Margarida Periquito
Origem: Comprado
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Opinião: Tenho observado com muita curiosidade todo este interesse em volta da escritora italiana Elena Ferrante, que escreve sob anonimato. As pessoas parecem genuinamente surpreendidas com o seu sucesso, porque o marketing é uma ferramenta cada vez mais poderosa para vender o que quer que seja, num mundo inundado de novos produtos a cada dia que passa. No mundo dos livros não é diferente; as vendas de milhões de cópias de livros de qualidade duvidosa leva a questionar qual dos lados da balança mais pesa, se o marketing, se a qualidade. Por isso, gosto que apareça alguém que faz o sucesso das suas obras depender quase exclusivamente do seu conteúdo e do boca-a-boca entre leitores. Foi assim que este livro chegou ao meu conhecimento, acompanhado de opiniões entusiastas e, portanto, não foi difícil ficar convencida.
A Amiga Genial fala da amizade de duas meninas, Lenú e Lila, que começou na Nápoles dos anos 1950, quando ambas moravam num bairro de pessoas mais ou menos remediadas. As duas começaram a conviver por alturas da entrada para a primeira classe e este primeiro volume da série cobre os acontecimentos da sua infância e adolescência. A história é-nos narrada na primeira pessoa por Lenú, a que das duas se pode considerar a certinha, sossegada, estudiosa e muito inteligente; Lila é o seu oposto, uma menina igualmente inteligente, mas com uma personagem irascível e rebelde, que ajuda muitas vezes a esconder o seu brilhantismo.
Apesar das suas diferenças, Lenú e Lila acabam por se tornar nas melhores amigas, ainda que Lila, a nossa narradora, pareça por vezes demonstrar um nível de obsessão pela amiga pouco saudável. Ficou-me a sensação que Lenú se desvalorizava constantemente por comparação com Lila, magoando a sua auto-estima, e que tudo o que fazia, especialmente a nível escolar, era motivado pela vontade que tinha de se mostrar superior. Gostei da forma como a autora intercala momentos de amizade plena com outros de competição entre as duas, por me parecer real numa amizade entre duas personagens complexas que estão a tentar aprender a viver. Reconhecemos na nossa própria história pessoal aqueles momentos da adolescência em que se deu demasiada importância àquilo que não a tinha, deixando escapar momentos importantes que só mais tarde se revelariam. E a pureza e instantes de pura felicidade da infância revelam-se em passagens como esta:
Quando se está há pouco tempo no mundo, é difícil compreender quais os desastres que estão na origem da nossa sensação de desastre, talvez nem sintamos necessidade disso. Os adultos, à espera do amanhã, movem-se num presente para trás do qual há o ontem ou o anteontem ou no máximo a semana passada. No resto não querem pensar. As crianças não sabem o significado do ontem, do anteontem, nem do amanhã, tudo é isto e agora: a rua é esta, a porta é esta, as escadas são estas, esta é a mamã, este é o papá, isto é o dia, isto é a noite.
O que torna esta história ainda mais realista e palpável é o contexto social das vivências do bairro, onde a violência era um fator normal e constante. Chega a ser angustiante vê-la com os “óculos” de hoje, mas penso ser uma forma essencial de caracterizar o mundo em que Lenú e Lila viviam, e que acaba por o condicionar em muitos aspetos.
Mentiria se dissesse que foi uma leitura compulsiva, porque não foi, embora de certo modo o esperasse. Não é que isso tenha sido mau, até porque me permitiu absorver melhor a história e deliciar-me com as palavras de Elena Ferrante. Ocasiões houve em que o detalhe dos acontecimentos do dia-a-dia das duas amigas me pareceu demasiado exaustivo e, por vezes, a roçar o novelesco, mas depois fui largamente recompensada por passagens belíssimas, que conferem ao livro uma profundidade notável. Os próximos três volumes estão ali prontos a ser lidos, algo que sem dúvida farei com brevidade.
Classificação: 4/5 – Gostei Bastante