Autor: António Tavares
Ano de Publicação: 2015
Editora: Leya
Páginas: 216
Origem: Comprado
Porém, na pequena aldeia onde decorre a acção deste romance, os habitantes, profundamente ligados à natureza, preocupam-se sobretudo com a falta de chuva e as colheitas, a praga do míldio e a vindima; e na taberna – espécie de divã freudiano do lugar – é disso que falam, até porque os jornais que ali chegam são apenas os que embrulham as bogas do Júlio Peixeiro.
E, mesmo assim, passam-se por ali coisas muito estranhas: uma velha prostituta é estrangulada, o suposto assassino some-se dentro de um penedo, a rapariga casta que colecciona santinhos sofre uma inesperada metamorfose, e a parteira, que também é bruxa, sonha com o ditador a cair da cadeira e vê crescer-lhe, qual hematoma, um enorme cravo vermelho dentro da cabeça.
Quando aparece o primeiro televisor, as gentes assistem a transformações que nem sempre conseguem interpretar…
Opinião: António Tavares refere, no início deste livro, que O Coro dos Defuntos se trata de um “romance evocativo da obra de Aquilino Ribeiro” e que, por isso, “existem várias palavras usadas pelo mestre“. Nunca li nada de Aquilino Ribeiro, por isso estava longe de imaginar o que me esperava, mas assim que iniciei a leitura percebi que a homenagem se concretizava na utilização de regionalismos das Beiras, de onde Aquilino Ribeiro era originário.
O Coro dos Defuntos relata a vida de uma aldeia situada na Cova da Beira num período de mais ou menos 6 anos antes do 25 de abril de 1974. O narrador ouve a história da aldeia através da neta de uma das filhas da terra, que tinha poderes de vidência e era esposa do regedor da localidade. E, partindo da avó, vamos conhecendo as outras figuras da aldeia, como o padre, o taberneiro, a prostituta, o seminarista culto, os dois dinamitadores de pedras ou a rapariga devota que desaparece da aldeia e volta uma mulher completamente diferente.
A forma como António Tavares entrelaça os importantes acontecimentos nacionais e internacionais da época na vida do dia-a-dia destes aldeãos é brilhante. Pequenos comentários aqui e ali são o suficiente para que o leitor perceba do que se está a falar, mas os eventos são relegados para segundo plano, tal como o eram pelas pessoas que viviam afastadas do mundo e cujas maiores desgraças seriam as colheitas falhadas ou o aumento dos preços dos bens que consumiam. Por vezes, alguns dos acontecimentos relatados fizeram lembrar-me o realismo mágico sul-americano.
O uso dos regionalismos é, na minha opinião, o elemento diferenciador deste livro e o toque de originalidade que lhe terá valido o Prémio Leya em 2015. O apreciar desta característica do livro terá muito a ver, penso eu, com a experiência pessoal de cada leitor. Pessoas que conheçam razoavelmente as palavras utilizadas poderão, à partida, tirar mais proveito deste livro, enquanto que o seu desconhecimento e consequente recorrência frequente ao glossário no final do livro poderá afetar de forma negativa o fluir da leitura. Comprovei isto quando falámos sobre O Coro dos Defuntos na última Roda dos Livros, e foi engraçado ver como o mesmo livro pode ter impactos tão diferentes de acordo com quem o lê. Penso que fiquei a meio das duas experiências: reconheci várias palavras (igualmente utilizadas no Baixo Alentejo, uma realidade mais próxima) mas outras tantas obrigaram-me a recorrer ao dicionário do Kindle. Gostei da originalidade dos regionalismos, mas a minha opinião é que, a partir de certa altura, começa a tornar-se cansativo e não ajuda a narrativa a fluir.
Tinha grandes expectativas para este livro, que não foram inteiramente concretizadas. Reconheço-lhe a originalidade e vários outros méritos, mas a minha experiência de leitura não foi a que desejava. O maior problema foi a minha ligação emocional com o livro, que me impede, assim, de lhe dar uma classificação superior. Contudo, é uma leitura que recomendo, pois considero que a medida da sua apreciação depende, em grande parte, da experiência do leitor.
Classificação: 3/5 – Gostei