Autor: Afonso Reis Cabral
Ano de Publicação: 2014
Editora: Leya
Páginas: 368
ISBN: 9789896603458
Origem: Comprado
Opinião: Leio pouca literatura escrita por portugueses. Olhando para 2014, até agora, os livros de autores portugueses foram apenas 8 em mais de 100, sendo que dois deles nem eram ficção. Não é uma decisão consciente, mas a verdade é que os livros de autores portugueses que vão sendo lançados não me despertam muito o interesse. Este O Meu Irmão foi uma exceção; por ter vencido o Prémio Leya deste ano, teve muito maior destaque e dei por mim a ler este artigo sobre o jovem autor no Público. Foi mais do que suficiente para ficar interessada no livro e decidir lê-lo.
O Meu Irmão é uma narrativa na primeira pessoa, de um homem (de quem nunca sabemos o nome) com cerca de 40 anos, crítico literário com aspirações a escritor, que tem a seu cargo um irmão pouco mais novo, com Síndrome de Down. No início do livro, os dois rumam a Tojal, uma terriola com 2 ou 3 casas, onde os pais de ambos (entretanto falecidos) tinham uma casa. Percebemos que os dois vão lá passar uns dias e que, de certo modo, estão a “fugir” de algo, mas só com o desenrolar da história tomamos realmente noção do que passa.
A história, essa, é composta de constantes saltos ao passado onde o narrador nos vai descrevendo momentos da sua relação complicada com o irmão, ao longo dos anos. Essas analepses são intercaladas com o momento presente, em que o narrador nos mostra como lida com as dificuldades instrínsecas à convivência com uma pessoa com Síndrome de Down. Para além disso, o texto (decorra no presente ou no passado) é constantemente “invadido” por pensamentos secundários que o narrador vai tendo em relação ao que está a contar, que funcionam quase como a voz da sua consciência.
A primeira coisa que ressalta neste livro, e que se torna uma constante, é a maturidade na escrita. Isso é ainda mais relevante se tivermos em conta os 24 anos de Afonso Reis Cabral. O autor valeu-se da sua experiência pessoal (também tem um irmão com Síndrome de Down) para falar de um tema que conhece, mas parece-me que terá querido afastar-se o mais possível do narrador que compõe. Na verdade, é difícil arranjar características agradáveis na pessoa que conta esta história, uma espécie de falhado que vê o irmão como “último reduto, como redenção.” Como afirma, “Assim que pudesse estar com ele, isto é, assim que os pais morressem, entraria no seu éden, redimirme-ia de uma vida chã ao dar-lhe paz, boas condições, e um amor semelhante ao dos pais.” É uma personagem negra, um pouco imoral até, que apesar de sentirmos amar o irmão, muitas vezes escolhe formas um pouco retorcidas de o demonstrar.
O livro ganha pontos por não tratar o Síndrome de Down com excessivo sentimentalismo ou lamechice, e apresenta-nos um retrato bastante real do que é viver-se com esta condição. O interior do país é também, quase por si só, uma personagem do livro, sobre o qual o autor faz um retrato árido, comparando-o a uma viúva.
Apesar dos pontos positivos que apontei acima, por vezes pareceu-me que faltava um pouco de chama ao livro. Alguns momentos mais parados, algumas divagações que me pareceram um pouco desnecessárias, no fundo pareceu-me um livro riquíssimo a nível de escrita, mas ainda com melhorias possíveis no que respeita ao enredo e à forma como poderia cativar ainda mais o leitor.
O balanço final é positivo. É um livro bastante bom para uma estreia literária; não brilhante, mas bastante bom. Tendo em conta os sinais, parece-me que Afonso Reis Cabral tem uma grande margem de progressão e, por isso, é um autor a manter debaixo de olho.
Classificação: 3/5 – Gostei