Autor: Jeannette Walls
Ano de Publicação: 2005
Páginas: 348
Opinião: Tenho poucas recordações da minha infância. Lembro-me de um ou outro acontecimento, mas de um modo geral é um período difuso, onde as lembranças se dividem entre brincadeiras, verões felizes, pais e irmã presentes e gosto pela escola. Tenho alguma pena de não me lembrar de mais coisas, mas também sei que isso acontece em boa parte devido ao facto de ter tido uma infância feliz, em que tive sempre tudo aquilo que uma criança deve ter – e não estou a falar de coisas materiais.
A narrativa deste livro relata-nos uma situação diametralmente oposta. Costumo dizer que há pessoas que deviam ser proibidas de ter filhos, e sem dúvida que os pais de Jeannette Walls são duas delas. Nascidas entre as décadas de 1950 e 1960, as quatro crianças Walls fazem parte de uma família nómada, constantemente em movimento pelo sudoeste norte-americano, vivendo em locais que pouco melhores eram que a rua. Passar fome, andar sujo, não ir à escola são lugares-comuns destas crianças, que, para além disso, tinham liberdade para andar por onde quisessem e fazer o que bem entendessem.
Rex Walls e Rose Mary, os pais, surpreendentemente não eram pessoas iletradas, sem capacidade para arranjar emprego, sustentar a família e proporcionar aos filhos uma existência minimamente digna: ela tinha habilitações para lecionar e era uma artista, ele tinha estado na Força Aérea e era um criativo, uma pessoa com inteligência acima da média. O problema é que ela apresentava sinais mais ou menos claros de bipolaridade, e achava que a falta de regras e disciplina era a forma correta de educar crianças. Não havia em Rose Mary qualquer instinto maternal ou sentido de responsabilidade perante aquilo que é criar um filho. Rex, por seu lado, era uma desgraça quando bebia e só fazia asneiras.
Assim, Jeanette e os irmãos cresceram numa família bastante disfuncional, com não só falta de carinho como também problemas em satisfazer as necessidades mais básicas. A narrativa intercala momentos quase inacreditáveis de irresponsabilidade paternal (como quando, com 3 anos, a narradora se queimou gravemente enquanto cozinhava cachorros-quentes) com outros momentos em que o espírito livre destes pais proporcionou momentos que marcaram pela positiva as infâncias destes miúdos.
A autora adota, neste livro, um tom notavelmente factual. Estando a falar sobre a própria vida, é normal que aqui e ali se note emoção em alguns episódios narrados, mas, de um modo geral, Jeannette Walls consegue narrá-los de forma imparcial e deixar os julgamentos para o leitor.
É uma leitura quase compulsiva e, por vezes, arrepiante pela incredulidade perante o que nos vai sendo relatado. “Isto aconteceu mesmo?” ou “Como é possível?” são perguntas que nos vão assaltando, juntamente com a admiração pela resiliência destas crianças e a vontade de saltar para a “história” e tirá-los dali.
Abstive-me de dar a nota máxima a este livro por dois motivos: primeiro, o final pareceu-me um bocado apressado – depois de tantas dificuldades, penso que teria sido bom contrabalançar os relatos negativos com uma fase mais positiva na vida da autora; depois, porque tive algumas dificuldades em acreditar que a autora se lembra com tanto detalhe de coisas que lhe aconteceram quando era tão pequena (como por exemplo, diálogos à sua volta quando ficou internada no hospital com 3 anos). Se ela realmente se lembra, é um feito notável; se não, isso significa que o início do livro foi algo romanceado, e nada garante que o resto não tenha sido também.
Mas apesar do que acabo de referir, penso ser uma leitura que vale a pena. Pelo realismo do relato, pelo contacto com realidades tão diferentes da nossa e por nos fazer acreditar que o ser humano consegue vingar, mesmo perante as maiores adversidades. Este livro encontra-se traduzido para português com o título O Castelo de Vidro, publicado pela editora Gótica em 2006 (não acredito, contudo, que seja muito fácil encontrá-lo à venda).
Classificação: 4/5 – Gostei Bastante