Das Palavras às Imagens (22)

No ano passado, por volta da altura em que saiu a primeira parte de O Hobbit, li um ensaio que tentava explicar por que motivo Christopher Tolkien, o único filho sobrevivente de J.R.R. Tolkien se recusava terminantemente a vender os direitos da obra do seu pai para além do material que constava em The Lord of the Rings e The Hobbit. Quem conhece a mitologia criada por Tolkien sabe que existem histórias fantásticas e riquíssimas e que, muito provavelmente, dariam belos filmes. E, por isso, esta decisão de Christopher Tolkien pareceu-me, a priori, bastante questionável. Mas depois li o ensaio e mudei de opinião. Na verdade, muito do que Tolkien escreveu deve ficar na riqueza das suas palavras e ser descoberto pelo leitor. Essa convicção reforça-se mais ainda depois do que vi anteontem, numa sala de cinema, durante as 2h40 que dura O Hobbit – A Desolação de Smaug.

 

Estive a ler a minha opinião sobre o primeiro filme e agora, à distância, percebo que muito do meu entusiasmo com o que vi foi mais wishful thinking sobre aquilo que queria que o filme fosse do que aquilo que realmente foi. Claro que o regresso à Terra Média me entusiasmava, como não? Foi a trilogia original que me fez descobrir aquele que é o meu escritor preferido, e penso que como objeto cinematográfico, por si, tem muito valor. Claro que queria muito que estes novos filmes fossem tão bons como a trilogia original e me fizessem voltar a este mundo fictício que já faz parte da minha vida. Mas o pouco entusiasmo que fui sentindo com as notícias em redor desta segunda parte, por vários motivos, acabou por se concretizar numa experiência cinematográfica que ficou a milhas daquilo que eu achava que podia – e devia – ser.

 

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O Hobbit é um livro para jovens que deixa entrever alguns temas mais obscuros, mas que, na sua essência, é um livro de aventuras divertido e que se centra em Bilbo e nas mudanças que a viagem a Erebor operam sobre ele. As adaptações cinematográficas – ou, pelo menos, as duas que estrearam até hoje – desdobram-se em vários enredos secundários; alguns deles não estão no livro ou sequer foram originalmente escritos por Tolkien. E é aqui que eu sinto que os filmes falham: não se esticou a história por 3 filmes para incluir coisas importantes; decidiu-se, primeiro, fazer 3 filmes, e depois toca de arranjar material para os encher. Antipatizei à partida com a inclusão de uma personagem inventada pelos argumentistas, a elfo Tauriel, interpretada por Evangeline Lilly, por duvidar dos motivos que levavam a essa inclusão, nomeadamente no que se refere à ligação com Legolas. Mas, curiosamente, foi das poucas coisas que achei refrescantes no filme. E, já que falei no Legolas, acho que ele é uma das piores coisas do filme. Começa no facto de o ator estar notoriamente mais velho/cheiinho – o que é normal – e nem o CGI de que foi alvo evitou que me lembrasse disso sempre que aparecia no ecrã. Mas o que me incomodou mais foi terem conseguido a proeza de fazer com que deixasse de gostar da personagem, para além de que a sua participação no filme é inútil, aparecendo apenas como um elfo mimado e uma autêntica máquina de matar, protagonizando aquela que, para mim, foi a cena mais ridícula do filme, demasiado over the top até para o Peter Jackson (se já viram o filme sabem qual é, se ainda não viram vão perceber de imediato). A personagem é tão diferente da que conhecemos na trilogia original que duvido que vão conseguir convencer-me que mudou tanto nos 60 anos – uma gota de água no oceano para um elfo – que distam entre O Hobbit e O Senhor dos Anéis.

  

De resto, acho que o filme sofre de alguns problemas de ritmo, precisamente por haver tantos enredos a serem desenvolvidos ao mesmo tempo e alguns deles não contribuírem grande coisa para o desenvolvimento da história ou deixarem algo a desejar na sua concretização (por exemplo, o encontro entre Gandalf e o Necromante). A parte mais bem conseguida do filme foi, na minha opinião, o encontro entre Bilbo e Smaug, o dragão, que visualmente está fantástico. Mas depois, toda a entrada dos anões em cena e os esquemas que tentam para destruir o dragão pareceram-me intermináveis, para depois o filme acabar num ponto demasiado cruel para quem tem de esperar mais um ano para ver como isto termina.

 

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Muito mais havia para dizer, mas o texto já vai longo. Não é um mau filme, na minha opinião. Mas deixa muito a desejar em termos de ritmo, dinâmica e do desenvolvimento dos vários enredos que os responsáveis decidiram abordar. Sofre também, na minha opinião, de não possuir um início ou um fim. Apesar da desilusão da minha parte, como é óbvio quererei ver como isto tudo vai terminar. Mas espero sinceramente que as adaptações das obras de Tolkien parem por aqui, num momento em que sinto que a fidelidade à obra original e a abertura deste mundo a novas audiências já não têm tanta importância como tiveram outrora.

 

6/10

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Sobre Célia

Tenho 38 anos e adoro ler desde que me conheço. O blogue Estante de Livros foi criado em Julho de 2007, e nasceu da minha vontade de partilhar as opiniões sobre o que ia lendo. Gosto de ler muitos géneros diferentes. Alguns dos favoritos são fantasia, romances históricos, policiais/thrillers e não-ficção.