Autor: J.M. Coetzee
Título Original: Disgrace (1999)
Editora: Biblioteca Sábado
Páginas: 197
ISBN: 9788461238675
Tradutor: José Remelhe
Origem: Comprado
Opinião: Desgraça foi a minha primeira escolha para o desafio deste mês. Há algum tempo que desejava ler um livro de J.M. Coetzee, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2003, e aqui estava a oportunidade ideal. Desgraça venceu o Man Booker Prize em 1999 e foi adaptado ao cinema em 2008, num filme com John Malkovich.
David Lurie é um professor universitário que começa a aperceber-se do peso da idade. A nível pessoal, tem de contentar-se com os serviços de uma prostituta, e acaba por perceber que deixou de ser um íman do sexo oposto. A nível profissional, a vida também não corre muito bem, especialmente porque compreende, finalmente, que leccionar é apenas o fardo que carrega para poder aspirar a fazer finalmente o que deseja. É nestas circunstâncias que a sua obsessão por uma aluna vai originar uma reviravolta completa na sua vida, que culmina com o seu afastamento do cargo de professor e com a ida para a quinta da sua filha, Lucy, no interior da África do Sul, onde a história se desenrola.
Aquilo que primeiro me chamou a atenção foi a escrita cativante e clara de Coetzee. Nem demasiado explícita, nem demasiado contida, percebe-se que o autor nos mostra exactamente aquilo que pretende. A história tem contornos pouco habituais e a estrutura também é peculiar. As personagens estão bem construídas, apesar de pessoalmente as suas motivações nem sempre me terem convencido.
Existe um acontecimento neste livro que marca o ponto de viragem na história, cujas consequências não deixarão o leitor indiferente. Não vou referir do que se trata, para não estragar a história a quem ainda não leu, apenas digo que é algo violento e que tem origem na velha “luta” entre brancos e negros. Penso ser este o ponto de partida das principais reflexões que Coetzee quer que façamos. Sei que esse acontecimento decorre num contexto muito particular e que é necessário atender às especificidades do país em que tem lugar, mas tive dificuldade, muita dificuldade, em aceitar e compreender as opções da filha de David depois dos graves acontecimentos por que passou. O limite entre certo e errado é muito ténue em situações complicadas, e acho que o autor faz um bom trabalho em mostrar pontos de vista distintos, mas sinceramente, neste caso, senti que era perdoar o imperdoável. David acaba por colocar-se um pouco na pele do leitor estupefacto, ao questionar as decisões de Lucy. Uma das grandes questões deste livro é, para além da dinâmica do “confronto” entre brancos e negros pós-apartheid, se algum dia se conseguirá um equilíbrio e uma sociedade onde todos são iguais.
Gostei particularmente da redenção da personagem principal. David sente-se novo, dentro de um corpo velho e isso, mais do que outra coisa, leva-o à desgraça. É interessante perceber como ruma face à aceitação do que é e à forma como parece compreender, finalmente, para onde caminha. Apesar de não me parecer que tenha deixado o egoísmo completamente de lado, chega a ser comovente o amor que acaba por demonstrar em relação a cães abandonados e que têm como destino inevitável a morte.
É um livro que deixa uma aura pesada uma vez terminado. Não é possível lê-lo ou sair de lá de ânimo leve; é duro, real e muito bem escrito. Se o leitor se conseguir afastar o suficiente para compreender totalmente as opções das personagens, penso que poderá ser uma leitura memorável. Eu não consegui, mas apesar disso, é um autor a que certamente irei voltar.
Classificação: 3/5 – Gostei