Autor: Evgueni Zamiatine
Título Original: Мы (1920)
Editora: Antígona
Páginas: 287
ISBN: 9726080320
Tradutor: Manuel João Gomes
Origem: Comprado
As figuras humanas visíveis são apenas as dos adultos; os velhos e as crianças não estão presentes na narrativa. Os homens e as mulheres são aparentemente iguais, a começar pelo vestuário, funcional e simples (os unifs); todos têm números, e não nomes.
O meio circundante corresponde necessariamente a este tipo humano: visto a individualidade não existir, os apartamentos são transparentes. Só nas relações sexuais, superiormente organizadas, obedecendo sempre a um dia e a uma hora pré-determinados, surge um vislumbre de privacidade: fecham-se as persianas do quarto.
Trata-se, enfim, de uma ficção sobre o triunfo da racionalidade num sistema social em que cada pessoa se dissipa numa ideia de comunidade.
Opinião: Após ter lido algumas das principais distopias (Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, Fahrenheit 451 e A Laranja Mecânica), percebi que este é um género que me agrada bastante e foi com naturalidade que cheguei a este Nós, que é considerado o “pai” das distopias e que terá influenciado a obra mais conhecida de George Orwell.
As distopias são conhecidas por representarem sociedades futuristas marcadas pelo controlo e pela repressão e que vivem sob o disfarce de serem uma utopia. Em Nós, viajamos para o ano 3000, onde as pessoas têm nomes que poderiam ser designações de máquinas (o narrador e personagem principal chama-se D-503) e onde a racionalidade é levada a um extremo – existe uma Tábua dos Mandamentos Horários que determina as horas e a duração de todas as actividades, mesmo as pessoais (a actividade sexual, por exemplo, tem dia e hora marcado). O local onde D-503 vive está rodeado por um muro verde, que o separa da Natureza e que é proibido ultrapassar. O Estado Único é gerido pelo Benfeitor (equiparado ao Big Brother de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro), que é unanimemente reeleito em todas as eleições anuais. A liberdade é um conceito encarado como ultrapassado e impeditivo do bom funcionamento da sociedade, onde não existe o eu, mas apenas o nós. O livre arbítrio seria a principal causa da infelicidade e, por isso, foi erradicado.
D-503 narra este livro sob a forma de diário, e vai dando a conhecer a um leitor imaginário, situado no passado, a perfeição da sociedade em que se integra. No entanto, o aparecimento da original e única E-330 abrirá novos horizontes a D-503, que começa a questionar a racionalidade e a repressão da imaginação que vigoram no Estado Único e dá por si a almejar por algo mais.
É um livro que, tal como é comum nas distopias, levanta várias questões interessantes e nos apresenta um retrato extremo de uma sociedade onde os valores essenciais da democracia, da liberdade e do livre arbítrio, que tanto prezamos nos dias que correm, são praticamente inexistentes. O livro reflecte as experiências pessoais do autor aquando das duas Revoluções Russas do início do século XX e também na 1.ª Guerra Mundial e não pode deixar de ser encarado como uma crítica implícita ao regime comunista.
Objectivamente, julgo ser um livro bastante interessante para quem gosta deste género, contendo uma série de técnicas literárias que influenciaram claramente o Mil Novecentos e Oitenta e Quatro de Orwell e, diz quem leu, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Pessoalmente, não me cativou tanto como as distopias que li anteriormente em termos de enredo, identificação com as persongens e sensação de opressão que a sociedade transmite. Ainda assim, dei o meu tempo por bem empregue e, por isso, recomendo este livro.
Classificação: 7/10 – Bom