Autor: Kamila Shamsie
Título Original: Burnt Shadows (2009)
Editora: Civilização
Páginas: 440
ISBN: 9789722630603
Tradutor: Helena Lopes
Origem: Recebido para crítica
Opinião: Sombras Queimadas é já o quinto livro da escritora paquistanesa Kamila Shamsie, tendo chegado à shortlist do Orange Prize for Fiction em 2009. Da mesma autora, temos também publicado por cá Versos Quebrados (Pergaminho, 2006). Confesso o meu interesse (e horror) pelo que se passou em Hiroshima e Nagasáqui aquando do lançamento das bombas atómicas em 1945, já no final da 2.ª Guerra Mundial, e daí o meu interesse pela sinopse deste livro. No entanto, apesar de a sinopse o dar a entender, a grande maioria do livro não fala sobre o acontecimento em si, mas sobre as sequelas, físicas e psicológicas, que o mesmo deixou em Hiroko Tanaka, a personagem principal do livro.
A história decorre em 4 momentos diferentes no tempo: 1945, em Nagasáqui, aquando do lançamento da bomba atómica; 1947, em Deli (Índia); 1982-83, em Carachi (Paquistão); e 2001-2002, em Nova Iorque e Afeganistão. O traço em comum entre todas estas histórias dentro da história é Hiroko e o cenário de guerra. Após o acontecimento traumatizante de Nagasáqui, Hiroko sente necessidade de fugir do Japão e ruma à Índia, para casa da irmã do noivo que perdeu naquele dia terrível. Mas a própria Índia é palco de várias convulsões políticas, pelo aproximar da independência em relação ao Reino Unido, conseguida em 1947. Já nos anos 80, vamos encontrar Hiroko, com a sua vida reconstruída, dentro do possível, a viver no Paquistão, na época em que o Afeganistão travava uma guerra contra a Rússia (conflito que afectava, em maior ou menor grau, os paquistaneses). No século XXI, o Afeganistão volta a fazer parte da história, devido aos acontecimentos pós-11 de Setembro, que a maioria de nós conhece bem.
Desde o início que a escrita de Kamila Shamsie me conquistou. Tem momentos sublimes, poéticos, com passagens que apetece ler e reler vezes sem conta. A forma como caracteriza as suas personagens torna-as quase etéreas, mas nunca as sentimos irreais. É um livro que facilmente envolve o leitor e o deixa identificar-se com as suas personagens; sofremos com as suas dificuldades e ficamos contentes quando a vida lhes corre bem. Os temas tratados são bastante pertinentes, e abarcam a religião, a interculturalidade e a forma como os conflitos foram e continuam a ser geridos. É uma visão diferente da do mundo ocidental, que olha de uma forma diferente para as culturas que muitas vezes tendemos a catalogar como fanaticamente religiosas. Outra lição importante é a de que nunca devemos julgar o indivíduo pelo todo, e isso é um ensinamento que se mantém sempre actual.
Sendo um livro que abarca quase 60 anos dentro de si, e com tantos conflitos lá dentro, internos e externos, era extremamente difícil cobrir tudo isto sempre ao mais alto nível, e apesar de achar que nem sempre foi conseguido com a maior mestria, trata-se ainda assim de um esforço notável. Confesso que o final aberto (ou a sua inexistência) me desiludiu um pouco e fez com que este livro não se tivesse tornado um dos meus preferidos de sempre. Bem sei que por vezes há histórias que não têm fim, mas senti que a magnífica personagem de Hiroko e os seus amigos e família mereciam um final que permitisse o fecho do ciclo que se abriu com o cair da bomba e tudo o que daí adveio. Mas isto é apenas uma questão de gosto pessoal – no cômputo geral foi uma leitura que me agradou bastante. Sem dúvida que é uma autora para continuar a seguir, esperando eu que a Civilização (ou outra editora qualquer) continue a apostar no seu trabalho.
Uma nota final para a tradução e revisão deste livro, ambas irrepreensíveis.
Classificação: 8/10 – Muito Bom