[Opinião] Se Acordar Antes de Morrer, de João Barreiros

Autor: João Barreiros
Editora: Gailivro
Páginas: 510
ISBN: 9789895577033
Origem: Recebido para crítica

Sinopse: João Barreiros nesta colectânea de contos de ficção Científica portuguesa descreve-nos lugares imaginários, que se aproximam muito dos reais, onde tudo é negativo. O seu imaginário é sempre fracturante, onde a maior parte das vezes o herói ou o próprio mundo estão condenados à partida. O herói tem sempre uma falha essencial: a cupidez; a cegueira pessoal, política ou está envolvido numa situação em que dificilmente ele sairá ganhador. A tentativa de chocar o leitor é deliberada e propositada. Em alguns dos contos encontra-se a desconstrução subversiva de todos os mitos de infância (Pai Natal). Num dos contos que fazem parte desta colectânea “O Teste” revela-nos toda a sintomatologia psicossomática característica de um professor quando de manhã acorda e tem pela frente um dia que teima em ser longo desde que se levanta até chegar à escola. Finalmente chega e entrega os testes aos alunos que o consideram difícil. Perante tal reacção, José Esteves fica aterrorizado por causa da taxa de insucesso gigantesca que irá revelar-se o que implica uma visita de Inspector ou um processo disciplinar e uma suspensão das actividades lectivas por provada crueldade mental. E como se isso não bastasse, uma espera feita pelos alunos, algures, fora dos terrenos da escola.

Opinião: Se Acordar Antes de Morrer junta, num só volume, os principais contos de João Barreiros, uma das poucas vozes da ficção científica “made in Portugal”. O livro conta com um total de 15 contos, a maioria já publicados anteriormente online ou noutras compilações. Todos eles têm uma introdução escrita pelo autor, que detalha as circunstâncias em que o conto em causa foi escrito/publicado e as premissas que serviram de base à sua escrita.

Este livro foi, de início, um duplo desafio para mim: por um lado, por ser composto por contos quando prefiro claramente ficção mais longa; por outro, por se inserir dentro de um género no qual reconheço ter lido muita pouca coisa e não ser aquele com o qual mais me identifico. Com o decorrer da leitura, deparei-me com outras “dificuldades”, como a escrita povoada de terminologia futurista, científica e tecnológica que exige uma leitura mais cuidada e atenciosa ou um conto em particular que me fez ter de respirar fundo, pousar o livro por uns dias, para poder voltar a pegar-lhe (já volto a isto, daqui a pouco).

Os vários contos, apesar de tratarem de temáticas diferentes e diferirem no seu objecto, têm dois aspectos semelhantes entre si (entre outros possíveis):
– a inegável imaginação prodigiosa do autor, que cria cenários que, apesar de fictícios e por vezes distantes da nossa realidade, não conseguem deixar de ser palpáveis e verosímeis;
– a tendência do autor para algum negativismo na criação de cenários futuros – e quando falo em negativismo refiro-me aos cenários dantescos e que revelam o pior do ser humano.

Como disse antes, tinha lido pouco dentro do género de ficção científica, nada escrito por portugueses. Depois de ler este livro, continuo a perceber que este género não é, definitivamente, a minha praia. Mas, como gosto sempre de variar e de ler, de facto, para poder emitir a minha opinião, não dei o meu tempo por mal empregue. Houve alguns contos de que gostei em particular: o meu preferido foi o primeiro, Brinca Comigo!, que fala de uma horda de brinquedos num mundo futurista, que ruma a uma Lisboa abandonada e quase desprovida de humanos em busca de um Alvo, que só no fim descobrimos o que é. Gostei também bastante do Efemérides, escrito para celebrar os 30 anos da chegada do Homem à Lua e que cria um cenário em que a Lua foi colonizada, e de O Teste, escrito no final dos anos 80 e que, retirando os devidos extremos, é um boa sátira ao estado actual da educação em Portugal.

Os restantes contos têm todos vários pontos de interesse, até aquele de que menos gostei e que me fez ter de pausar a leitura: Fantascom. Em traços gerais, trata-se de uma sátira ao género fantástico, por oposição à ficção científica, em que a personagem principal, Gervásio Queiroga, é claramente uma caricatura do escritor português Filipe Faria. Ora, eu não li nenhum livro deste escritor e, sinceramente, não o pretendo fazer, mas achei que a sátira poderia ter sido feita, e até ganharia com isso, sem este tipo de abordagem. Não afirmo textualmente que a intenção do autor foi um ataque pessoal, mas sinceramente foi essa a sensação que tive. Mas o que me irritou mais neste conto nem foi isso: foi toda uma banalização do género fantástico, o colocar no mesmo saco o bom e o mau (mais mau do que bom, neste caso), como se nada se aproveitasse. Bem sei que, nas sátiras, as críticas implícitas são normalmente extremadas, mas não gostei de ver o meu género preferido retratado como o mau da fita. Custa-me ver as pessoas que gostam deste género pintadas como leitores que aceitam tudo o que lhes dão, sem espírito crítico, seja bom ou mau, porque não me identifico com este retrato. A preferência dos leitores pelo fantástico, não necessariamente em detrimento do resto da ficção especulativa, é um facto. Talvez fosse bom reflectirmos no porquê. No entanto, colocando de lado todas as questões pessoais que possa ter com o tema tratado, reconheço que o autor consegue aqui, com relativa eficácia, atingir o seu objectivo.

Resumindo, foi objectivamente uma leitura interessante, com textos de bastante qualidade. Pessoalmente, deixou-me dividida pelo que referi acima, mas recomendo a quem gosta de ficção científica ou a quem quer experimentar o género, e ainda a quem quiser conhecer um autor português que merece mais destaque do que o que tem tido. 

Classificação: 6/10 – Interessante

Livro n.º 49 de 2010

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Sobre Célia

Tenho 38 anos e adoro ler desde que me conheço. O blogue Estante de Livros foi criado em Julho de 2007, e nasceu da minha vontade de partilhar as opiniões sobre o que ia lendo. Gosto de ler muitos géneros diferentes. Alguns dos favoritos são fantasia, romances históricos, policiais/thrillers e não-ficção.