Entrevista a Jacqueline Carey

Tal como prometido, aqui fica a entrevista que a escritora americana Jacqueline Carey nos deu em exclusivo. A entrevista centra-se especialmente no seu primeiro livro, “O Dardo de Kushiel”, que a Saída de Emergência lança hoje. Agradeço à autora, pela simpatia e disponibilidade que demonstrou (era fã e agora ainda fiquei mais) e agradeço também à Cristina Correia, tradutora, que deu uma vista de olhos na minha tradução e fez algumas sugestões valiosas. Se desejarem ler a entrevista original, podem fazê-lo aqui.

Estante de Livros – Como surgiu a ideia de escrever “O Dardo de Kushiel”?
Jacqueline Carey – Uma parte da inspiração veio da pesquisa que estava a fazer relativa ao folclore dos anjos para um livro de não ficção, e outra parte veio de uma viagem ao Sul de França. Outros aspectos foram simplesmente uma dádiva das Musas – como a personagem principal, Phèdre.

E.L. – Era sua intenção desde o início escrever uma série de livros, ou foi a boa recepção que a encorajou a continuar?
J.C. – Deixei o final um pouco em aberto intencionalmente, e quando arranjei um agente uma das primeiras coisas que ele disse foi “Escreve uma sequela!”. As ideias para os segundo e terceiro livros vieram todas de uma vez, bem como a possibilidade de continuar a série com um protagonista diferente.

E.L. –  Gosto muito de ler livros contados na primeira pessoa, mas de todos os livros com esta característica que li até hoje provavelmente metade deles não funcionaram bem. Uma vez que a voz de Phèdre é tão única e bem trabalhada, foi um grande desafio? Como é que entrou dentro da cabeça dela?
J.C. – Muitos escritores consideram a voz na primeira pessoa limitativa, mas eu gosto de nunca ter de me preocupar com mudar os pontos de vista. A minha voz literária é naturalmente barroca e permiti-me libertá-la pela primeira vez em “O Dardo de Kushiel”. Quanto a entrar dentro da cabeça de Phèdre, acho que isso faz parte do mistério da criatividade. Nem sempre os escritores sabem como fazemos o que fazemos!

E.L. – Existem muitas cenas sexuais gráficas nos seus livros, e muitas delas não encaixam na categoria “confortável” para a maioria das pessoas. Mas nunca fiquei com a impressão que eram desnecessárias ou deslocadas: fazem sentido, dentro da história. Qual é a sua importância? Acha que este aspecto pode afastar alguns leitores?
J.C. – Acreditem, pensei muito e durante bastante tempo acerca do elemento erótico negro antes de começar a escrever, porque sabia que significava correr um grande risco. No fim de contas, pensei que poderia ser uma forma fascinante de subverter muitos dos clichés “heroína como vítima” que existem na maioria do nosso entretenimento popular. Tentei lidar com isto delicadamente e certificar-me de que nenhuma das cenas eram gratuitas e, que eram, de facto, relevantes para o enredo. Ainda assim, significou que não iria atrair jovens leitores! Digo muitas vezes aos pais que não, os meus livros não são adequados para os vossos fãs de treze anos do Harry Potter.

E.L. – Já li muitos livros de fantasia, e penso que uma das coisas que tornam alguns deles notáveis é um mundo muito bem construído e pesquisado. Os livros da série Kushiel decorrem numa Europa Renascentista reminiscente, com locais bem descritos e uma mitologia muito forte. Como é que fez a sua pesquisa? Visitou a Europa e outros países cujas localizações se assemelham às do seu livro?
J.C. – Visitei provavelmente metade dos países que cubro ao longo dos seis livros da série Kushiel. França, Grã-Bretanha, Itália, Grécia, Egipto: sim. Alemanha, Espanha, Irão, Chipre, Rússia: não. Gostava de poder fazer pesquisa local para todos eles, mas o tempo e o custo não o permitem! Pesquisa literária antiquada, com muita ajuda da Internet, fazem a diferença.

E.L. – A religião representa um papel muito importante nesta primeira trilogia, mas senti que estava bastante distante da forma como muitas pessoas entendem a religião nos dias que correm. Foi uma forma de enfatizar o que acha mais importante acerca da fé?
J.C. – Estava interessada em explorar o conceito de uma divindade cuja único atributo divino é o amor, em todas as suas manifestações. Se tivesse de escolher um aspecto da fé a destacar, certamente seria esse.

E.L. – Já escreveu alguns livros fora do mundo Kushiel (Santa Olivia, série Banewreaker), mas continua a lá regressar (recentemente com Naamah’s Kiss). Está a desafiar-se a si própria e ao mesmo tempo continua a voltar a um “porto seguro”?
J.C. – É uma análise correcta. Foi certamente um desafio examinar um cenário familiar através de um novo olhar, mas adoro o mundo que criei e foi um prazer revisitá-lo. Também tive a oportunidade de explorar mais longe, o que incluiu uma maravilhosa viagem de pesquisa à China.

E.L. – Os seus principais trabalhos “caem” na categoria da ficção especulativa. Já considerou escrever algo fora desse género?
J.C. – Sim, e talvez algum dia o faça, mas até agora as minhas melhores e mais empolgantes ideias estão dentro desse género.

E.L. – Quais são as suas referências literárias (autores, géneros…)?
J.C. – Leio tudo e mais alguma coisa, de todos os géneros. Gosto de ficção literária mainstream, mistérios, thrillers, paranormal, fantasia, ficção científica, comédias. Ficção histórica é uma grande influência literária para mim; os romances da Mary Renault, decorridos na Grécia Antiga, foram os primeiros livros “adultos” que li, e continuam a ser os meus favoritos, tanto pela sua habilidade em recriar o passado, como pela escrita lírica. A frase de abertura de “O Dardo de Kushiel” está estruturada como uma homenagem a “The Persian Boy”, o primeiro livro dela que li.

E.L. – Há algo que queira dizer aos seus presentes e futuros fãs portugueses?
J.C. – Espero que gostem dos livros e que algum dia consiga acrescentar Portugal à lista de países que tive a sorte de visitar!

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Sobre Célia

Tenho 38 anos e adoro ler desde que me conheço. O blogue Estante de Livros foi criado em Julho de 2007, e nasceu da minha vontade de partilhar as opiniões sobre o que ia lendo. Gosto de ler muitos géneros diferentes. Alguns dos favoritos são fantasia, romances históricos, policiais/thrillers e não-ficção.