[Opinião] Anna Karénina, de Lev Tolstoi

Autor: Lev Tolstoi
Título Original: Анна Каренина (1878)
Editora: Relógio D’Água
Páginas: 832
ISBN: 9727089232
Tradutor: António Pescada
Origem: Comprado

Sinopse: «Embora seja uma das maiores histórias de amor da literatura mundial, Anna Karénina não é apenas um romance de aventura. Verdadeiramente interessado por temas morais, Tolstoi era um eterno preocupado com questões que são importantes para a humanidade em todas as épocas. Bom, há uma questão moral em Anna Karénina, embora não aquela que o leitor habitual possa crer que seja. Esta moral não é certamente o ter cometido adultério, Anna pagou por isso (num sentido vago pode dizer-se que é esta a moral do final de Madame Bovary). Não é isto, seguramente, por razões óbvias: se Anna ficasse com Karenin e escondesse do mundo o seu affair, não pagaria por isso primeiro com a felicidade e depois com a própria vida. Anna não foi castigada pelo seu pecado (podia muito bem ter-se safado deste) nem por violar as convenções da sociedade, muito temporais como aliás são todas as convenções e sem ter nada a ver com as eternas exigências da moralidade. Qual era então a «mensagem» moral que Tolstoi queria passar neste romance? Entendemo-la melhor se olharmos o resto do livro e compararmos a história de Lévin e Kiti com a de Vronski e Anna. O casamento de Lévin é baseado num conceito metafísico, não apenas físico, do amor, na boa-vontade e no sacrifício, no respeito mútuo. A aliança Anna-Vronski é fundada apenas no amor carnal e é aqui que reside a sua ruína.»
Do Posfácio, de Vladimir Nabokov

Opinião: No âmbito de mais uma Leitura Conjunta do nosso fórum, dei início à leitura deste clássico da literatura russa e mundial, que tinha comprado na Feira do Livro Lisboa de 2008 por o ter encontrado a bom preço e depois de opiniões bastante favoráveis.

Um clássico é, por definição, um livro que sobreviveu ao teste do tempo pela sua qualidade intrínseca, e que continua a conquistar novas gerações de leitores. Este Anna Karénina é uma das obras mais conhecidas do famoso escritor russo Lev Tolstoi (1828-1910), também autor de Guerra e Paz, e foi a minha primeira incursão séria pela literatura russa clássica. E que desilusão.

Mas vamos por partes. O título do livro pode levar a pensar que a história de centra na personagem com o mesmo nome, mas a verdade é que não é assim. Apesar de a história de Anna, que se apaixona por outro homem que não o marido e abandona este último,  ser bastante central, é apenas um dos fios condutores do enredo. Muitas outras personagens, das relações de Anna, têm o seu destaque, e o livro está longe de se centrar exclusivamente nas interacções entre personagens, porque contém variadas secções dedicadas à descrição da vida russa da segunda metade do século XIX, sempre com a dicotomia campo/cidade presente. Muitos outros temas são aflorados, tal como a política, arte, questões sociais, religiosas e filosóficas, etc.

Tentei arranjar melhor definição para a minha percepção sobre este livro, mas tenho de “roubar” uma definição da Aida do nosso fórum: “Em vez de ser uma história de amor que tinha como pano de fundo uma crítica à sociedade Russa, foi mais uma crítica à sociedade Russa que tinha como pano de fundo uma história de amor.” Quem, como eu, vai para este livro à espera de grandes emoções, pode esquecer. Parece-me que isso nunca foi o objectivo do autor.

Se não tivesse lido este livro no âmbito de uma Leitura Conjunta, é muito provável que o tivesse deixado a meio – e eu odeio deixar livros a meio. Não posso dizer que não me interesse pelas descrições da sociedade russa, até porque gosto imenso de história e a maioria das coisas que dizem respeito a sociedades de outros tempos cativam-me. Neste livro, na maior parte das vezes, achei estas descrições extremamente aborrecidas e óptimas para curar insónias. As partes que mais despertaram o meu interesse (e ainda assim, menos vezes do que seria desejável) foram as que incluíam o relacionamento entre as personagens principais. Quanto a estas, o que dizer? Inconstância é a palavra que primeiro me ocorre. Falando de Anna, nunca a consegui compreender… sempre cheia de dúvidas e incertezas, parece uma personagem sem rumo, muito pouco definida. Não é que ser “cinzento” seja mau, mas se, como no meu caso, o leitor não consegue encontrar “pontos de apoio”, coisas com que se identificar, torna-se difícil criar uma ligação emocional forte com o que está a ler. O que digo para Anna é válido para as restantes personagens: nunca me importei realmente com os seus problemas ou com o que lhes pudesse acontecer.

Não poderei dizer que Tolstoi não é um escritor acima da média, porque o é. O texto é pontuado por metáforas excelentes e por pequenos e deliciosos pedaços de prosa. Mas, para mim, a escrita não é tudo: se o enredo e as personagens não me cativarem, o mais certo é que o livro nunca venha a pertencer à minha galeria de favoritos.

Chegar ao fim de um livro aliviada pelo facto de o ter finalmente terminado nunca poderá ser um bom sinal. Ler deve ser um acto de prazer e não de obrigação… e esta foi, em 99% das vezes, o motivo pelo qual continuei a folhear as páginas deste livro. Independentemente de ser um clássico, amado por muitos, a mim não me cativou e muito dificilmente voltarei a pegar noutro livro deste autor. 

Classficação: 5/10 – Razoável

Livro n.º 8 de 2010

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Sobre Célia

Tenho 38 anos e adoro ler desde que me conheço. O blogue Estante de Livros foi criado em Julho de 2007, e nasceu da minha vontade de partilhar as opiniões sobre o que ia lendo. Gosto de ler muitos géneros diferentes. Alguns dos favoritos são fantasia, romances históricos, policiais/thrillers e não-ficção.

14 comentários

  1. O Guerra e Paz é considerado por muitos como um dos melhores clásscos de sempre, mas pelo que sei é gigante. Este também não lhe fica atrás em tamanho. Pela tua opinião, não me parece que alguma vez vá tocar nele. Já não me chamava muito a atenção, e agora menos ainda.

    Bom fim de semana!

  2. Esta é a beleza dos livros. A forma como cada um encara as mesmas obras é sempre diferente. Eu, pessoalmente, adorei este livro, mas concordo que, em grandes partes, o livro se torna aborrecido e maçudo. Tal como tu, não percebo a Anna Karenina, mas gostei particularmente de outras personagens (sobretudo um que vivia numa area mais campestre cujo nome não me recordo).

    Estou com bastante curiosidade para ler Guerra e Paz.

  3. É isto que os livros têm de bom! Suscitam sempre diferentes opiniões. 🙂
    Anna Karénina é sem dúvida um enorme calhamaço e parti para a leitura deste livro com a expectativa que ele fosse mais centrado na vida da personagem de Anna. No entanto, não me desiludi no final. Tolstoi, a meu ver, apenas peca por debruçar-se demasiadamente na vertente campo versus cidade. Esta parte acaba por cansar o leitor.
    Na minha opinião, está longe de ser razoável, mas sim um excelente livro.

    As partes principais, o drama de Anna e a busca existencial de Levine são narradas sempre em paralelo e servem para revelar a sociedade russa do século XIX.

    O humanismo dos personagens é talvez o ponto onde Tolstoi mais se eleva nesta narrativa. O bom e o mau, as interrogações que cada um faz a si próprio, as suas incertezas e os seus momentos de reflexão e o facto de não poderem fugir ao seu próprio destino.

    Anna só poderia ter aquele fim e Levine, após a sua busca desenfreada do seu eu, descobre o seu caminho, vivendo em paz com a sua própria existência.

    Uma história para ser absorvida lentamente.

  4. Pois também eu concordo mais com os comentários daqui: o livro é genial, na minha perspectiva. Sim, as reflexões sociais por vezes são exageradas. Mas são também elas interessantes. Anna é uam personagem incómoda por não se deixar conhecer sempre. Oblonski é outra, um homem que me deixou entusiasmado. E o outro, o tal que de que a Cristina não se lembra do nome, tal como eu, é também muito curioso.

    E um desfecho intrigante para Anna, não é verdade?

    A beleza dos textos: suscitar reacções tão diferentes…

  5. Talvez o problema esteja no facto de, a certa altura, a leitura ter começado a pesar. Nessas alturas o livro tem de ser posto de lado, porque a sua leitura passa a ser alvo de uma predisposição negativa e, por melhor que seja a obra(como é o caso), dificilmente resultará prazeirosa. Não há que ter vergonha de largar um livro a meio e acho que muitas vezes o problema de blogs como este(não quero dizer que seja o caso) é o de fazerem leituras galopantes para, no final do ano, mostrarem os numeros das leituras efectuadas e esses, são sempre impressionantes. Conclusão: impossivel um livro como o Anna Karénina levar cinco estrelas. À pessoa que fez a crítica aconselho a ler “A Sonata a Kreutzer” ou “A Morte de Ivan Illich”. Sinceramente custa-me imenso, como estudioso de literatura russa e de Tolstoi, ver uma obra como esta ser “assim” criticada…
    Por favor, continuem a ler, isso sim é importante.

  6. Estante de Livros

    Caro(a) vick:
    Li este livro durante 2 meses, por isso não me parece que a leitura tenha sido “galopante” e muito menos para mostrar número, até porque foi feita no âmbito de uma leitura conjunta do nosso fórum, cujo objectivo é analisar a obra em conjunto e tornar, por isso, a leitura mais rica.

    Pessoalmente, não me custa ler uma opinião negativa sobre um livro do qual gosto bastante, desde que a mesma seja justificada e eu perceba os motivos da pessoa que a escreve. Nunca, em algum momento da minha opinião, eu ponho em causa a qualidade do livro. Limito-me apenas a falar sobre aquilo que dela achei. Não é por não ter gostado de um livro que o considero mau, nem considero excelente tudo aquilo que me dá prazer ler. Porque é disso que estamos aqui a falar: de gostos pessoais. Continua a ser difícil para algumas pessoas compreenderem que as opiniões presentes neste blog são subjectivas e portanto as 5 estrelas, razoável, representa a medida em que esta leitura ME satisfez. As notas destinam-se precisamente a isso, a quantificar o quanto gostámos de um livro. Faria sentido eu dar uma nota mais alta a este livro só porque faz parte do cânone e é um clássico admirado por muita gente? Não é da opinião dos outros que pretendo falar, mas única e exclusivamente da minha.

    Célia M.

  7. Pois, pessoalmente também não achei nada de especial. Dentro do tipo de livro e de história, prefiro mil vezes o nosso Eça de Queirós e, talvez num estilo ligeiramente diferente, o Júlio Dinis. Mas é um bom livro… 🙂

  8. Ricardo Cardoso

    De Tolstoi já li ” A morte de Ivan Illich” e adorei. É um livro breve e para mim o ideal para começar a ler este autor.

    Sobre este livro não posso criticar, um dia pegarei nele, mas nunca forçado, até porque ainda tenho uma visão “romântica” da coisa, os livros é que têm que vir ter comigo, quase todos os livros que fui “forçado” a ler, nunca me diverti do que os ooutros.

    Penso que a leitura bastante descritiva poderá ser demasiada aborrecida em alguns momentos de ler, mas noutros, se conseguimos nos embalar na sua escrita poderá ser maravilhosa. Sou adepto de abandonar o livro e depois voltar a ele, um dia. Por exemplo, existem livros que abandonei 2/3 vezes e só depois de ele voltar até mim é que lhes dei o devido valor, quer seja pela positiva, quer pela negativa, porque já aconteceu o contrário, largar e não gostar dele depois .

  9. Eu tomei a decisão no meu blog de “proibir” qualquer estrelinha ou outro tipo de classificação. Se os leitores querem saber a nossas opinião sobre determinada obra, então leiam a crítica toda. Não custa assim tanto, e ajuda a perceber muito melhor porque gostamos de a e não de b.

    Rui

    PS. A ver se também me junto à proxima leitura conjunta 🙂

  10. Cara Célia M., a parte final da sua crítica é sintomática daquilo que eu quiz dizer, passo a citar: “Che­gar ao fim de um livro ali­vi­ada pelo facto de o ter final­mente ter­mi­nado nunca poderá ser um bom sinal. Ler deve ser um acto de pra­zer e não de obri­ga­ção… e esta foi, em 99% das vezes, o motivo pelo qual con­ti­nuei a folhear as pági­nas deste livro.” Como é que é possivel ler 99% de um livro por obrigação? Ainda mais sendo este alvo de crítica num blog, ainda que com a atenuante de ser leitura conjunta. Então se ler deve ser um acto de prazer, tal como diz, porque continuou a ler? Obrigação? Desculpe mas não há argumento possivel perante isto.
    Cumprimentos.

  11. Estante de Livros

    Caro vick,
    Percebo que desconheça as regras das nossas Leituras Conjuntas, mas uma delas é respeitar as pessoas que nela decidiram participar, fazendo um esforço para concluir as leituras. Se isto não é para si motivo suficiente para não deixar um livro a meio, acho que isso não é problema meu…
    Peço-lhe, por favor, para tentar aceitar uma crítica menos positiva a um livro do qual claramente gosta. Penso que é muito redutor achar que o sentido da minha opinião deriva do facto de ter lido o livro por “obrigação” e não por prazer. Nem todos temos de gostar do mesmo, é tão simples como isso.
    Por aqui me fico,
    Célia M.

  12. Anna Karénina é uma das maiores histórias de amor da literatura mundial, e, sem dúvida, a que tem a melhor frase inicial de todos os tempos. Para pessoas menos cultas e ignorantes, o livro pode parecer muito secante e sem qualquer interesse; e isto acontece por um único motivo: as pessoas que o lêem, lêem-no pensando ir encontrar uma história emocionante entre duas pessoas, um amor intemporal, tempestuoso e acima de tudo muito romântico. Porém não é nada disto que o livro contem. Tolstoi era um eterno apaixonado em temas morais, e transportou esses mesmo temas para este grande romance. Por isso, a história de Anna é apenas como que um volante subtil para Tolstoi poder descrever a sociedade Russa, e para transmitir uma moral inquestionável. Não podia por isso deixar de abordar temas temporais existentes naquela altura, como é óbvio. Pessoalmente, pensei que este livro trata-se principalmente a história de Anna, mas pelo contrário deparei-me com uma imensidão de personagens com muito mais motivos para serem merecedoras do título do livro. Se o livro se chama-se «Konstantin Dmitrich Lévin», não seria nada mal pensado, ainda que pouco estético.
    Agora, regressando ao tema. É verdade, é um livro grande e com descrições sociais e relacionadas com a agricultura bastante intensivas, mas é, sem sombra de dúvida, um dos melhores livros de sempre. Para pessoas que o não compreenderam bem, aconselho vivamente, o posfácio de Vladimir Nabokov.”Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.

    • Bettina Rogovsky

      sim sim, concordo plenamente. Até penso se Tolstoi escreveu o livro primeiro e decidiu o título depois de termina-lo, pois opções não faltavam. Acho que no fim escolheu Anna porque se o livro é uma crítica à hipocrisia da sociedade russa, Anna foi a que mais sofreu, pagou com a vida. Ou então pelo fato de sua história de amor ser o núcleo do livro para entreter o leitor e fazer com que o máximo de pessoas leiam.

  13. Bettina Rogovsky

    Tolstoi poderia apenas ter escrito um livro de filosofia com os temas tratados no livro, ja que era tão ligado ao assunto. Porém não o fez, pois todos nós sabemos o quão maçante esses livros são. Procurou então montar um enredo, uma historia com começo, meio e fim, não só para fins filosóficos mas também para entretenimento do leitor, talvez também para que o livro atingisse o maior número de leitores. Em sua época, foi uma celebridade na Russia, atingiu seu objetivo. Não considero o livro maçante, pois não tem apenas um núcleo de personagem, pense em escrever um livro cujo enredo pode ser totalmente alterado por um persongem secundário, como Karenin recusando o divorcio. Uma tarefa para mestres. É comprido, mas 2 meses são o suficiente para le-lo. Sobre o amigo aí de cima que diz que não gostou de Anna por ela ser indecisa, numa eterna discussão consigo mesma sobre não saber o que fazer…Olhe por outro lado, é justamente isso que nos prende a ela. Personagem totalmente imprevisível, ficamos na curiosidade de saber o que ela vai fazer. Eu realmente não esperava que ela se mataria. Mas quando li O Primo Basílio, de Eça de Queiroz, eu sabia desde o momento que Basílio entrou na historia que Luisa acabaria morrendo, porque para um personagem central de uma narrativa, ela era completamente previsivel, “mediocre”, assim como descreveu Machado de Assis. A boa moça do conto de fadas.