Autor: Rodrigo Guedes de Carvalho
Editora: Publicações Dom Quixote
Páginas: 319
ISBN: 9789722033947
Origem: Comprado
De repente, o seu próprio casamento de muitos anos é posto em causa. Apresentam-lhe um filho que desconhecia…
Um poderoso romance sobre a vida na prisão, as relações e conflitos que se criam no interior das cadeias e sobre o que é ser prisioneiro. Mas também, e sobretudo, sobre a escrita e sobre os limites do escritor. Até onde está disposto a ir para encontrar inspiração para escrever?
Opinião: Numa primeira reflexão sobre o último romance de Rodrigo Guedes de Carvalho, concluí que se pudesse defini-lo apenas com um adjectivo, não hesitaria e escolheria a palavra “provocador”.
De facto, durante a sua leitura, somos confrontados com diversas “provocações” do narrador, num tom amargurado, que poderá incomodar um leitor mais sensível, ou talvez menos “preparado” para ser desafiado a ser levado para outro lado, atentem nesta parte:
“Ai por favor mais devagar ai que assim não me entendo
Querias um texto arrumadinho
Pontos finais vírgulas parágrafos letra grandes essas muletas que aprendeste na escola
Querias ler como se escreve
Mas eu não sei escrever só sei pensar
Se eu soubesse escrever, escrevia assim: não tens cabedal, larga.
Dei-te este bónus da pontuação porque te é difícil ler assim
Se não tens cabedal larga”. Página 154
Decerto que alguns leitores terão abandonado o livro a meio, terão pensado quem é que o escritor pensa que é (confundindo até que num livro quem “fala” é sempre o narrador) para desafiar o leitor, mas, na minha opinião, penso que é aí mesmo que está incluído o fascínio do mesmo, é na descoberta da compreensão do caminho pelo qual o narrador nos quer levar. Cabe a nós, como leitores, perseguir atentamente as suas palavras, esperando que elas nos mostre algo novo.
São de dois homens, de duas vidas, que o livro fala, de dois “canários” que embora a vida lhes tenha dado caminhos diferentes, mas que a própria vida se irá encarregar de os cruzar, têm um ponto comum, estão agrilhoados, um mesmo no sentido físico, outro metaforicamente.
Com os capítulos a começarem com pequenos trechos de letras de músicas, ao longo do livro, vamos lendo as suas reflexões, as suas dúvidas, as suas vozes, as suas ambições maiores do que a vida, as suas estórias, os seus sonhos perdidos, os seus sonhos roubados, mas é nas suas tragédias que marcaram as suas vidas que vamos encontrar a essência deste belíssimo romance. Um está na prisão por ter morto um padrastro, o outro tem uma vida aprisionada, com um neto autista, o aparecimento de um filho que não conhecia e com o modo de lidar com o seu sucesso, no limite do insucesso, como escritor.
No seu terceiro romance, penso que Rodrigo Guedes de Carvalho está determinado a encontrar a sua voz, e de facto está a conseguir, libertando-se, também ele qual canário, das suas influências literárias, mais ou menos explícitas nas suas obras passadas.
“Canário” é certamente um passo em frente na carreira de escritor deste famoso jornalista, espero que o futuro traga ainda mais e ainda melhores obras deste autor que admiro. – Ricardo
“Os livros se forem livros as palavras entram aqui em nós num sítio estranho quase sem a gente dar por elas. E sendo palavras que foram outros a dizer passam a ser nossas para sempre, e acho que é o que eles teriam desejado.” Página 203
Classificação: 9/10 – Excelente