Autor: Affinity Konar
Título Original: Mischling (2016)
Editora: Bertrand
Páginas: 328
ISBN: 9789722532730
Tradutor: Patrícia Xavier
Origem: Recebido para crítica
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Opinião: A exploração da possibilidade da existência de beleza num contexto de terror e desespero foi, como a própria Affinity Konar afirma, um dos grandes desafios ao longo da escrita de A outra metade de mim. Neste livro, a autora coloca Stasha e Pearl, duas gémeas de 12 anos, no terror do campo de concentração de Auschwitz, em 1944, aos “cuidados” do sinistro Josef Mengele, conhecido pelas experiências com humanos no seu “Zoo”. Os gémeos eram-lhe particularmente apetecíveis como cobaias, e Affinity Konar serve-se desse interesse para colocar Stasha e Pearl no centro destas terríveis experiências.
Mas Mengele está longe de ser uma personagem central na história, o que é ainda mais evidente na opção que a autora tomou em narrar a história em capítulos alternados com os pontos de vista de ambas as gémeas, narrados na primeira pessoa. As vicissitudes do dia-a-dia de ambas são-nos mostradas através dos seus olhos inocentes, que nos contam, por exemplo, como um pedaço de fio é constantemente tricotado e desmanchado por elas próprias e pelos seus colegas de infortúnio.
Um dos grandes desafios para a autora terá sido, penso eu, encontrar vozes distintas para as suas protagonistas, uma vez que ambas narram a história na primeira pessoa. Apesar de duas metades do mesmo todo, as gémeas possuem cada uma as suas características: Pearl, mais realista e ponderada; Stasha, mais esperançosa e menos resignada. A ligação profunda entre as duas é muito bem explorada e o leitor fica sempre com a sensação que nenhumas palavras seriam suficientes para a descrever – e isto já partindo das belíssimas descrições que com que a autora aqui nos presenteia.
E isto leva-me àquele que julgo ser o grande trunfo deste livro: a prosa. Num estilo poético e quase etéreo, Affinity Konar apresenta-nos uma história repleta de sensibilidade e detalhes que, nunca escondendo os horrores que fizeram parte desta realidade, os retrata de um modo auto-contido. Na verdade, ainda que o espaço físico acabe por não se confinar a Auschwitz devido ao fim da guerra, o espaço emocional gira muito em volta das duas irmãs e da incompletude que sentem quando não estão juntas. Deste modo, o leitor não deve esperar grandes desenvolvimentos acerca do contexto, nomeadamente Auschwitz ou mesmo a personagem de Mengele. Provavelmente, Affinity Konar achou que já tanto foi dito sobre ambos e quis aqui – com grande sucesso, diga-se de passagem – dar uma perspetiva mais intimista acerca de alguns dos vários horrores que fizeram parte deste evento da História.
Um livro que vale pela voz única da sua autora e pela extrema sensibilidade da história destas duas gémeas. Recomendado.
Classificação: 4/5 – Gostei Bastante